Coração cego

Sofrendo de amor

Laura chegou em casa, trancou a porta, pegou a chave e a jogou na mesa. Não queria saber mais de nada. Sentou-se em seu sofá. Não teve vontade de sequer ligar a televisão ou retirar seus sapatos, queria apenas ficar presa em seus pensamentos. Por que as coisas só davam errado comigo?  – pensou – Começou a chorar.

Às tantas da manhã, despertou e percebeu que havia adormecido no sofá. Decidiu se levantar, tirou sua roupa, que a estava apertando, mas sequer se incomodou, diante de uma dor maior. Ligou o chuveiro e deixou a água cair sobre seus cabelos, enquanto lembrava-se do que havia acontecido, a fechar os olhos e deixar suas últimas lágrimas caírem. Passaram alguns minutos, até que começou a lavar seu corpo, mas antes precisava deixar a água lavar sua alma.

Saiu do banho e foi para seu quarto. Não tinha fome, queria apenas voltar a dormir para tentar sonhar; talvez, um sonho seria melhor que o pesadelo que estava vivendo. Deitou-se e dormiu.

Há algumas semanas, ela havia conhecido um cara em um bar. Logo que ele entrou, ela o observou e o achou interessante. Seu olhar o atraiu. Diante do irresistível convite, passos foram dados e ele perguntou se poderia se sentar ao seu lado – claro, respondeu ela –. Bateram muito papo, deram muitas risadas, e acabaram a noite no studio em que ele morava.

Pela manhã, quando despertou, ficou olhando para os dois, nus. Lembrou-se dos sons, do lençol amarrotado, dos corpos suados. Começou a reparar na decoração, nos detalhes, e também no cara, que, por fim, concluiu que havia se dado bem.

Levantou-se, procurou uma toalha, e foi tomar um banho. No banheiro havia tudo o que uma mulher precisaria: bom shampoo, condicionador, secador de cabelos. Nossa, que interessante – pensou.

Quando saiu, ele já estava de pé, preparando um rápido café. Deu um sorriso, um selo, e foi fazer sua higiene, enquanto pediu para que ela se sentasse. Voltou rápido e começaram a se alimentar.

– Preciso ir. – disse ela.

– Quer que eu a leve?

– Não, pego um Uber. – Sem muito esforço, ele acenou positivamente com a cabeça.

Aquela foi a última vez que ela o viu; suas chamadas foram inúteis, não as atendia. Desistiu de procura-lo mais, a xingá-lo. Talvez, ele só tivesse pego seu número, caso não conseguisse o quê conseguiu naquela mesma noite. Que idiota eu sou, aquele condicionador, aquele secador de cabelos no banheiro… – pensou.

Aquela não havia sido a primeira vez, que acontecia aquilo; já estava acostumada a sair, e… Gostava? Parece que sim. Mas, no fundo, cada vez mais se convencia que não era a vida que queria; buscava uma coisa, vivia outra. Como todo mundo, imaginava e sonhava com alguém especial.

Nas resenhas com as amigas, queixava-se; aliás, as conversas entre elas pareciam jogos de dardos, a atirar contra aqueles nojentos comportamentos masculinos. Mas entre dardos acertados e outros batidos na parede, gostavam, a brindarem suas “conquistas”, afinal, concluíam estarem elas por cima, a usá-los.

E, assim, ia vivendo. Alegrias e decepções. Brindes e copos jogados ao chão em impulsos de raiva. Na academia, nos bares, em seus passeios, costumava olhar olhares e corpos. Não que não fizesse outra coisa; sim, vivia uma vida normal: trabalho, casa, lazer; mas sonhava… Normal, para uma vida normal. Alegrias e dores, da mesma forma.

*Há alguns anos, havia conhecido alguém. Uau, que tudo – pensou –. Os papos, as noites, as ligações… Estava feliz. Mas, entre tantas diferenças e discussões, não deu certo; depois de alguns poucos meses, decidiram terminar o que mal havia começado, ou sequer deveria ter começado.

Quando estava na fossa, somatizava suas frustrações naquele que achava que seria a oportunidade que sempre sonhara. Por que só dá errado comigo? Que bosta! – vivia a pensar.

Ela era forte, e sempre decidia se superar e se reinventar. Mas sempre acabava sofrendo. Até que, um dia, decidiu parar. Esquece isso – começou a pensar –. Vou cuidar da minha vida e deixar as coisas acontecerem. E foi assim que aconteceu. Começou a dedicar-se mais aos seus outros planos, que, embora importantes, eram deixados de lado; voltou a estudar, a cuidar do seu trabalho, começou a realmente ver seus amigos mais próximos.

No dia seguinte àquela péssima noite mal dormida, abriu seus olhos e relembrou tudo o que havia acontecido.

Depois de tantas desilusões, ao dar conta de sua nova vida que adotara, teve um frio na barriga, ao perceber uma sensação que jamais sentira, talvez tivesse encontrado aquele que a faria feliz.

No caminho de casa, reparou como sorria de piadas bobas; de como ele a ajudava, sem que ela pedisse; da sensação de alegria, quando ele estava próximo. Sim, havia encontrado, mas já era tarde, havia embarcado. Novas possibilidades em um novo país, um novo emprego, uma nova vida.

Refletindo, entendeu que não entendeu quando, com um olhar que penetrou sua alma, ele pediu conselho a ela se deveria aceitar ou não aquela oportunidade. Aquele sim, na verdade, foi entendido como um não. Sim, sem que ela soubesse, disse não a um pedido esperançoso e silencioso de alguém que poderia ir, mas que queria ficar.

Sabia que não era seu tipo, por isso jamais abriu seu coração a ela. Estragar tudo? – pensava –. Não, melhor assim, e assim ficou.

Foi dormir para tentar sonhar, mal sabendo que poderia ter vivido um grande sonho, mas que não conseguiu, porque vivia com seus olhos fechados. Viu quem a rodeava, mas seus olhos cegavam seu coração; via, mas não enxergou o que pedia para ser notado…

Quando percebeu, aquela simples, normal, e mortal pessoa que, enfim havia tocado seu coração, estava longe. Talvez, voltasse nas férias; talvez, fosse visita-lo; vários “talvez”… Mas essa dor de haver deixado escapar algo que estava tão próximo e real doía mais que aquelas outras que sofrera por aqueles outros “caras”.

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6 thoughts on “Coração cego

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